terça-feira, 25 de dezembro de 2012

a queda

do amarelo fez-se o marrom
a dançar sob a tempestade noturna
perfumando flores beges
colorindo tecidos mortos
sussurou:
quis tonalizar o cheiro recém-nascido
usando os instrumentos das quartas-feiras

terça-feira, 27 de novembro de 2012

repare

fórmulas de invisibilidade
são doadas aos filhos renegados

cegueiras geradas pelos egos
conservam a boa forma da indiferença

casas sem telhado
não conseguem ofertar
nem estrelas como presente

corpo descoberto
traz negativas formas de arrepio

pare, repare, re-pare:
todas as noites e manhãs traduzem
os gritos das almas famintas

terça-feira, 20 de novembro de 2012

inspira-me... só assim expirarei

perdi de vista, da mente, do corpo e da alma. fugiu pro mar, aprendeu a nadar, voar, andar... infinitivos que não a tornam infinita... renovável, esgotável, contraditória. caos armado, calma introduzida... sai de casa sem pedir permissão criando furacões e redemoinhos internos. deixa rastros nas esquinas, nos bancos da praça, nas peças de dominó que são movimentados pelas mãos daqueles idosos... há fagulhas na flor que se perdeu do buquê, nos beijos dos casais, nos abraços apertados... espalha-se pelas gotas do vinho, pelas lentes dos óculos, vitrines e seus livros. não é tocável, mas me toca... me toca e me toca pra fora de si, pra fora de mim e das tantas outras pessoas que há no espaço que vai dos cabelos à ponta dos pés... o eu, múltiplo, enche até transbordar... e aí, entre uma enchente e outra, ela reaparece... indiscreta, notável, me toma, gasta, retoma, me alucina... vejo-a entre os goles dados na cerveja... ela se vê envolvida pela fumaça do cigarro da mesa ao lado... depois me invade como se eu fosse sua propriedade privada e a relação mútua de uso se inicia. lápis e papel, teclado e tela... sejam quais forem as testemunhas e escrivães, as provas vivem. essa prova vive... visível resultante do invisível. pessoas, coisas e sentimentos, venham! misturem-se e se permitam inflar. permitam que eu registre e os guarde... deixem que outros tantos se encontrem nos eus agregados em um só. visível, me deixe te sentir, se torne invisível... inspira-me.

para tocar o céu com os pés

deixe chover
e que lave
embale, revigore
deixe-me ver
as almas nuas
a saltar nas poças
formadas por lágrimas de alegria
choradas pelo céu

domingo, 14 de outubro de 2012

Labirintos silenciosos

O silencioso labirinto da vida me apresenta mil portas e sete chaves. Vejo-me obrigada a escolher entre sal ou açúcar, chuva ou sol, ruas ou avenidas. O silencioso labirinto grita: estamos entre quatro paredes invisíveis. Posso ver o movimento dos carros daqui, do lado de dentro. A criança que se ajoelhou para acariciar seu cachorro, desequilibrou. Caiu. Opto, as vezes, por não ver. Em frente as paredes imaginárias, levanto reais muros mentais. Será que finalmente atingi o isolamento? Talvez não... vejo tantas outras crianças caírem! Você consegue ver? Consegue me ver? Solto gritos de silêncio que ecoam no céu e espero que sejam minhas preces chegando. Vejo-as mais sem rumo que as nuvens: nada sabem em relação aos seus destinos... tão confusas quanto a minh'alma. Ando procurando algum atalho que me leve com rapidez às mil portas. Não desejo muita coisa: apenas um conhaque, um livro do Bukowski e as mesmas sete chaves para poder voltar ao meu conjunto de paredes imaginárias com retenção que se revestem mutuamente.

voarão?

eles, passarinhos
bebem água com cautela
procurando não se engasgarem
com os grãos que grudam na goela
passarinhos que não passam
nem passarão
mas, estão.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

estar na sala de estar

sala de estar
bagunçada
intransitável
sal
a
de
estar
a gosto
seus cheiros
na língua
sala de
estar
triste
feliz
indeciso
sala de
estar
destra
desatada
solar
estar
sala de saudade
está
sondando
sentar e
esperar
ver passar
na
sala de estar

tardemais

tarde demais
para calar
ou falar demais
tarde, mas...

Ciclo das flores

É preciso abrir as janelas nas manhãs de primavera e permitir a entrada do sol. Amarelos campos brilhantes serão formados e tudo o que pode ser tocado será revestido pela leveza dos raios. É preciso se banhar com a chuva e apreciá-la para, então, receber de braços abertos a beleza do arco-íris. É necessário mudar a alma de casa, permitir a entrada do outro, deixando-o livre para partir quando quiser. Vai-se corpo, mantém-se a essência e os laços inquebráveis de irmandades costuradas a mão. Vestígios inabaláveis do que nunca foi físico... cheiros familiares, e ao mesmo tempo inéditos, apresentam suas distintas coreografias nas ruas pode onde passo. Memórias e saudades de fatos inexistentes são sementes que geram frutos da imaginação. Capítulos futuros e inacabados da vida colocam-se num cenário paradoxal, onde a lua do meio-dia não brilha e o sol da meia-noite reluz. Flores do campo nascem do asfalto, lagartas não descasulam e os gatos latem. A cabeça vive no chão e os pés nas nuvens, buscando pisar nos colchões de algodão construídos pela dinvidade para abrigarem anjos que, outrora terrestes, hoje são - ou estão - celestes. Meu coração se divide, gera pedaços que criam pernas e desfilam pelas calçadas... batem nas portas alheias e mantêm a porta do coração regenerado aberta. O músculo involuntário infla até com hospedagens efêmeras porque o tempo é pó na avenida do aprendizado que, no cruzamento adiante, encontra a do crescimento. As portas fechadas, por vezes, esvaziam o coração, mas não importa: ao encontrar ambientes hospedeiros arejados e espelháveis, me atrevo a pular os muros e abrir ao menos as janelas. A primavera e seu trajeto se invertem: transitam de dentro para fora! O tempo que lá era pó, aqui é oxigênio: mantém o ciclo das flores em pé, medindo frações de segundo para deixar este mundo florido. Os sóis das manhãs de outubro, tão únicos e iguais, insistem em deixar sempre o mesmo aviso: as andanças da alma ainda transformarão meu mundo numa eterna primavera.

domingo, 23 de setembro de 2012

primavera

a primavera brilhou
seduziu
encantou

esta que veio
ficou e partiu
sumiu
apagou

cheiros fortes adentraram
e frases em ruas imaginárias
marcaram o sequestro da primavera

relâmpago
sombrio
sofrido

ó, inverno
que sua gratidão seja retribuída

hoje a primavera voltou
mas deixou a porta semi-aberta

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

azul

guardei-o numa caixa
onde os ponteiros não correm
as lembranças, por vezes, falham
e a aquarela, outrora, lhes re-vida

te espero, azul,
com letras e fotografias
na mesma sala de estar

Fevereiro de 2011

domingo, 16 de setembro de 2012

a cidade cinza

certas partes choram
implorando por cor

o cinza tomou conta das escadarias
praças, morros e calçadas
cobriu as plantas de Dona Maria
correu do uniforme do guarda
o cinza percorreu os corações aflitos
descoloriu a cerveja do bar da esquina
paralisou a dança dos amantes
os carros nas avenidas
tudo viu-se cinza:
o céu, que era azul
as aves e oxigênio
poesias espalhadas
por muros e postes
as borboletas e suas coreografias
abraços calorosos
chegadas inesperadas
palavras de afeto
registradas em canções
vielas e seus boêmios
estão presos na transição
os senhores das preocupações
coloriram a correria
as fumaças liberadas
por espaços e locomoções
que abrigam trabalhadores
pintados em variados tons
alimentamos com cores
os aborrecimentos
compromissos
e ausências:
geramos e engrandecemos o arco-íris da banalidade

domingo, 26 de agosto de 2012

doar, rodar e voltar

lanço-me
caminho
amplio

crio-me
existo
pluralizo

transbordo
reparto:
não faz falta

recrio-me
resgato
concluo:

viver é questão de entrega.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

rabiscos

os traços fracos
esboços não finalizados
unidos a sentimentos expressados
traduzem a beleza
das marés de incerteza

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

moça-bailarina

vejo a moça-bailarina
que lança leveza ao vento
a rodopiar na esquina
equilibrando a brutalidade
dos que, outrora, tocavam o chão
nas rosadas coberturas de gesso
firmadas com laços doces
carregando nas pontas destes pés
o peso visivelmente oculto da graciosidade
- bolhinhas
calinhos
machucadinhos -
metamorfoseada em sorrisos
desenhada em movimentos manuais
que moldam a estrutura corporal
a brincar feito elástico em dedos invisíveis
encantando a todos os meninos tristes
de tantas outras esquinas sem cor

domingo, 12 de agosto de 2012

apa(i)ziguador

cai o corpo
palavras medidas
ralam-se os joelhos
tentativas de agrado

a língua dá nó 
e nós, enlaçados
desde sempre
para o sempre e além

dias e noites
vivências distantes
encontram-se rotineiramente
nos pensamentos alimentados
pelo amor difundindo
nas almas e correntes de seu abrigo

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

dias urgentes

chama ativa que proclama cores
lança e registra amores:
vida repleta de cheiros e sabores

brindemos à correria
vigência da poesia
lembranças que se atam às fotografias

saudade difundida
passeia pelas veias
peito esquerdo e cabeça

reforça-se na casa, no carro
na janela, no quarto

distância fitada
mapa e coração
sustâncias destes dias urgentes que não se vão

sábado, 28 de julho de 2012

O Redondo e o Zelo [Parte II]

     Quem apenas esbarra nele em algum elevador de nosso prédio ou em seu trabalho não sabe de sua vida pessoal. Contarei algumas coisas que são consideradas quase-confidenciais, afinal, sou uma das poucas coisas que fariam falta no dia-a-dia dele, apesar de atualmente, por estar quieta e em meu devido lugar, não lhe causar -mais- dores de cabeça: ele mora só. Vive só. Respira só. É tão isolado que as vezes tenho a sensação de que respira outro ar, vive em outra atmosfera... ou queria! Sei o quão acha deprimente acordar, trabalhar e presenciar este ciclo. Ele não nasceu aqui. Sua família é de uma cidade do interior e, apesar da pouca instrução, sempre serviram de base para que seus entes crescessem na vida. Com essa ideia, mudou-se para essa cidade há alguns anos a fim de estudar, mas mudou para este prédio há alguns poucos meses. Eu o acompanho desde outros meses, estes após sua formatura. 
     Acho curioso o modo com que a vida flui, por isso presto atenção em tudo o que acontece por aqui e por onde passo. Cada local é diferente e guarda dezenas, por vezes, centenas de pessoas também diferentes! Fico a pensar, até, que as pessoas nascem para combinarem com estes locais... ou os locais foram levantados para parecem com as pessoas?! Não sei! Em contrapartida, sei que nosso protagonista não se deixa influenciar pelo ambiente em que passa a maior parte do seu tempo. Aquela papelada, as pastas e pautas não lhe incomodavam, mas também não lhe davam prazer em serem autenticadas, organizadas e preenchidas. As horas parecem dias, os dias parecem meses e a vontade de ir para casa sempre foi maior que a disposição ao trabalho. 
     Com essa bendita animação, amor pela vida e profissão, não é difícil imaginar que ele não se importava com horários. Hoje aconteceu algo, no mínimo, curioso. Seu horário de entrada no serviço é dez horas da manhã, assim, levantava às sete e meia para tentar dar conta de fazer café e ficar apresentável, saindo de casa às nove e meia e chegando sempre pontualmente ou alguns minutos atrasado. Hoje o despertador não tocou. Levantou-se às nove horas e ao notar o enorme atraso, vestiu o mesmo terno que usa todos os dias, pegou sua pasta e correu. Entrou no elevador, desceu, não falou com o porteiro - para não perder o costume -... e correu. Saiu pela calçada esbarrando em quem, sem querer, conseguia. A criança perdeu seu sorvete, que derreteu no chão, o velhinho da rua de trás viu as folhas de seu jornal voarem e as pessoas olhavam, assustadas, para o cara estranho que corria pelas calçadas derrubando coisas. Cansou-se da euforia, parando lentamente e respirando rápido para tentar recuperar o fôlego. Olhou para o pulso esquerdo. O relógio marcava dez horas. Seu desespero, assim como as folhas do jornal, voou. Sabe-se lá para onde foi! Os passos largos deram lugar a uma longa caminhada e cada minuto a menos com os papeis, pautas e pastas lhe causavam faíscas de alegria que não eram expressadas nem com o olhar. Do outro lado da rua algo chamou sua atenção: havia um grupo de pessoas que estavam com os rostos pintados, sorrindo, falando com todos que por ali passavam, fazendo malabares e levantando placas que diziam "free hugs". Há muito tempo ele não sentia vontade de receber abraços e, quando se via obrigado a fazê-lo, não sentia ternura. Atravessou a rua e, ao se misturar às pessoas se perdeu na multidão, até que foi surpreendido com um abraço apertado. Durou minutos. Abraço é algo infinitamente mágico. Mistura a ternura carnal à emocional, expressa outros mil sentimentos, marca inícios, chegadas e partidas... abraços selam laços afetivos, momentos felizes e são capazes de fazer a mesma coisa que os poetas e fotógrafos, porém, usando a singeleza dos movimentos impulsivamente calculados, dos apertos que não machucam, do afeto que se transmite e que marca presença até em momentos tristes, sendo transformado, interpretado e sentido como cuidado. Aquele abraço era mais que isso, era o carinho que ficou no interior, a ponte que uniu um coração cinza e vários corações verdes, o calor humano quase desconhecido que cria laços, transmitido por um estranho. Assim como mudanças radicais devem acontecer lentamente, a mensagem não foi captada por inteiro, entretanto, fez algum efeito. Algo brotava em seu peito e precisava ser cultivado. Ah, se eu pudesse me fazer notável...

quarta-feira, 25 de julho de 2012

nós, passageiros

há quem olhe o passado
fixamente pelo espelho
quem reveja cicatrizes
medos e traquinices

o tempo a passar
como inseto a voar

tem quem olhe o presente
a caminhar pelas avenidas
fazendo par com horários perdidos
ou validades vencidas

o tempo a correr
como quem tem algo a perder

idealizam o futuro
que precede sua chegada em mentes férteis
fios brancos são vistos
assim como rugas e certos vícios

chega o tempo de viver
a intensidade da calmaria
de quem pouco espera da vida

domingo, 22 de julho de 2012

ao silenciar

o silêncio gritou
ensurdecendo azulejos
pás, caminhões e letreiros...
um sopro de inércia gerou

pararam as buzinas
e todos os pecados
planejados em surdina

quem quis, (ou)viu
um grito de silêncio
paralisando a cidade viril

sábado, 14 de julho de 2012

O Redondo e o Zelo [Parte I]

     Há um cara morando aqui, no sétimo andar, que vive a mercê do tecnológico, não olha para os pássaros que passam brincando diariamente e no mesmo horário em sua varanda nem vê as flores que frequentemente brotam do asfalto. Sei também que sua vida corre pelas privadas e ondas sonoras vindas pela televisão que, de tão alta e frequentemente ligada, é ouvida por toda vizinhança, assim como os latidos de seu cachorro altamente peludo.
     Levantava-se cedo diariamente – na verdade, quase não dormia -. Suas noites de sono eram, por vezes, interrompidas pelo barulho dos carros que andavam a mil por hora, o que gerava olheiras e um relacionamento sério com canecas lotadas de café durante quase todas as manhãs. Era de praxe perder a hora, vestir este mesmo terno amassado, pegar o elevador, ir correndo até seu carro e torcer para que o trânsito da avenida principal estivesse fluindo normalmente. Quando isto não acontecia, seu mau-humor e preguiça entravam em conflito para decidir entre buzinar ou não, se estressar ou não e até mesmo em retomar a possível noite mal dormida entre engarrafamento e trabalho... e que trabalho! Não é de minha competência comentar sua profissão, mas digo: é digna de admiração e, ainda assim, repleta de estresse. Talvez devido a isso sua vida cinza era aceitável. Não que me incomodasse o fato de aquele cara não receber visitas e não se preocupar comigo, mas em contrapartida, eu me preocupava com ele e nada podia fazer. Era reduzida a pó no caminho que leva à rotina, como um simples detalhe que embora pra uns fizesse diferença, tenho pura convicção que para ele, não.


Os Sofrimentos do Jovem Werther.Goethe. pág. 84 
[via grifeinumlivro.tumblr]

quarta-feira, 11 de julho de 2012

avessos

é fogo que queima a água
raio de sol que vive na nuvem
lágrima derramada dos lábios
riso proclamado pelo olhar

calor presente no extremo sul
sede que morre na escassez
palavra ativa que pede silêncio
lápis emborrachado pronto pro registro 

o incomum é compreensível 
paradoxo humanizado 
materializado
decifrável 

pólos distintos que não se atraem
vestido que não balança ao vento 
borboleta não-metamorfoseada 
eterna - e viva - mutação poética

sexta-feira, 6 de julho de 2012

verbos e nó... e nós

desprendemos os dedos
atingimos o consciente
desafogamos...
nos mantemos de pé

vomitamos verbos
que se dão pela ânsia do viver
necessidade do registro
versos que soltamos ao vento
e que se acham nos olhos

palavras nossas...
alimentam-se da vida
moram em nós
nós que não se desatam
momentos que se reconhecem

se agrada, é

se o bis contenta
se a alegria aumenta
se o errado se faz certo
e não prejudica quem está por perto
que mal há em ser feliz? 

sábado, 23 de junho de 2012

tragos

trago
o cansaço
rotina
e mesmice

trago
o vinho caro
cheiros
e tolices

trago
o trago
falta do riso
e vertigem

e eu
que não fumo
trago um cigarro
imaginário:
dos dedos das mãos
ao centro da boca

sábado, 16 de junho de 2012

o vento, o tempo e suas semelhanças

ficou clara a explosão
que por tempos foi omitida

o desejo emanado
a vontade saciada
o encantamento recíproco

(excessos)

foi longa a duração
foi grande o medo

metamorfosearam-se: erros

a saudade não existente
é reflexo do esquecimento benéfico;
foi a porta pra novas chegadas e para a saída

a explosão, há tempos, teve seu fim
foi-se o desejo
a vontade
o encantamento

(não há restos)

até as cinzas foram levadas pelo vento

terça-feira, 12 de junho de 2012

a má memória... amar memórias.

o intocável eterniza,
morre,
alterna nas camadas sustentadas pela emoção.

a memória melindra,
é alimento anímico,
perde-se nas entrelinhas da razão.

assim sendo
vivo como um caderno intacto
a espera de novos registros,
raras pontualidades,
perdas de compromissos,
esquecimentos e poemas.
não fala
não ouve
não vê nada além de um fragmento de papel.
não se expressa
não sente
disfarça-se da cabeça aos pés.
talvez seja uma armadura que o resguarda
dos mais variados julgamentos
protege-se de mim
de você
e desse nosso involuntário hábito de reprimir,
de não querer falar
não querer ouvir
não querer ver nada além de nós mesmos. 

domingo, 10 de junho de 2012


o perigo dos extremos
fica claro nas palavras, 
nas escolhas falhas
impossibilitadas de flexão. 


o perigo dos extremos 
dá-se pela ausência de luz 
ou por sua presença pura;
pela falta prática de alternância
ou por sua ruptura.


a beleza do equilíbrio 
muitas vezes se faz oculta
pela privação de percepção
ou pela simples vontade de ser sempre
ausência ou presença,
estas que nunca cedem à união.

Da pequena e seus 12 anos.

A primavera ressurge trazendo consigo a notória e curta ação do tempo. Pensamentos viajados fixam-se em minha mente por alguns instantes. Cada defeito com um longo histórico tentativas falhas de conserto, cada qualidade que se oculta diante de tamanha impulsividade, as tentativas de aproximação… a diferença se faz clara. Analisando-a pelas beiradas deste relacionamento, surgem as dúvidas e desconfianças alheias criadas por um parentesco recheado de divergências que serão quitadas com o tempo. O amor, por vezes, se faz oculto pelos olhos maternos e até mesmo pelos teus. O cuidado outrora plantado é mal interpretado, a ideológica necessidade de mudança torna-se invisível diante de uma autoridade mal imposta. Uma irmandade, que mesmo antes de existir já se enquadra em padrões pré-estabelecidos, é vítima de agravantes naturais. Ainda assim, encarrego o tempo e os ventos que delicadamente sopram de enviarem o recado mais sincero: amo-te desde sempre.

sendo poesia inversa

o que fazer quando nos vemos
envolvidos na tragédia que é
limitarmos uma vida
em linhas tortas
e palavras mal escolhidas?

Descasulando

Carolina era uma menina para poucos. Seu olhar arrogante transmitia seus pensamentos e o fato de, por escolha, viver solitária tornava complicado seu relacionamento com algumas pessoas.

Vivendo à seu modo, não podia ser considerada infeliz. Carol somente era diferente. Seu olfato aguçado fazia com que guardasse pessoas queridas nos mais diversos aromas, sua boca era capaz de dizer verdades que eram captadas pelos ouvidos alheios com doçura, suas delicadas mãos davam conta de apalpar tudo o que de alguma forma lhe chamava atenção e seu olhar arrogante - como outrora já dito - tornava-se sensível diante de tudo o que por ele era reparado, características essas que a transformaram num ser extremamente detalhista. Analisava de tudo: desde a folha que, sem uma ordem suprema, se joga ao chão até a criança que, voluntariamente, atira-se à calçada a ponto de que sua vontade seja atendida. Tais observações geravam imensos pensamentos, hipóteses e aprendizados os quais faziam-se úteis em seu dia-a-dia.

Certa manhã, Carolina ainda dormia profundamente. Mal se deu conta do barulho que as cortinas que batiam em sua janela semi-aberta produziam, muito menos da claridade que, sem pedir licença, adentrava em seu quarto. Somente ao ouvir o intenso som do despertador que situava-se ao lado de sua cama, lentamente abriu os olhos. Tentou lembrar-se do que sonhou esta noite: sem sucesso. Ainda sonolenta, hesitou quanto a levantar. Minutos depois de permanecer acordada em sua cama, pôs-se de pé. Como de costume, iria até o banheiro, escovaria os dentes, dirigiria-se à cozinha, tomaria o café fortemente preparado por sua matriarca e retornaria, passando o resto do dia trancafiada em seu quarto vestida com seu surrado pijama, talvez lendo, talvez escrevendo, talvez vendo algum filme ou simplesmente vendo o dia passar, cronometrando seus segundos, minutos e horas. Essa era a rotineira e agitada vida de Carol. Pois não foi assim. Resolveu, repentinamente, mudar seus hábitos matinais, ao menos por aquele dia. Mal sabia ela que uma simples modificação seria capaz de alterar todo o contexto do ciclo que sua vida se tornara.

Carolina pôs-se de pé. Pela primeira vez naquele verão, sentiu o vento bater tão fortemente em seu rosto, este que entrava pela janela deixada aberta na noite anterior por descuido. Carol deixou-se conduzir pelo vento, dirigindo-se até a janela. Isso não era comum. A moça não era de respirar outro ambiente. Não observava a vida que fluía e acontecia do lado de fora de seu quarto; tal coisa não lhe interessava nem atraía: estava apta a ser só em seu mundinho feito por quatro paredes e alguns livros. Algo estava ali fora buscando sua atenção e ela já havia captado o que era. Foi então que debruçou-se sobre sua janela e ficou paralisada para não assustar aquele ser que por alguns minutos prendeu sua atenção. Era uma borboleta. Carolina iniciou mais um momento de observação involuntária.

“Borboletas são admiráveis” - pensou -. Ali permaneceu analisando a leveza com que se locomovia, a calma com que rodopiava enquanto dançava com o vento sem se preocupar com sua enorme fragilidade, a precisão com que desviava das enormes construções e o caminho percorrido até se transformar neste ser belo e encantador que fez seus olhos brilharem por alguns instantes. Outrora lagarta, hoje borboleta… “E amanhã?” - pensou novamente -. Aquele podia ser seu último momento de vida. Intensamente vivido e magnífico. Até que a borboleta se despediu, sendo levada pelo mesmo vento que a levou até Carolina. Aquela criatura inseriu a moça em um mundo que acontece sem que ela perceba. Então Carol pôs-se a pensar em voz alta: “Serei eu lagarta esperando a mutação?”. Captou a mensagem que lhe enviaram aquela manhã e tentava tirar o proveito máximo dela: “Por que não ser leve como uma borboleta? Por que não aproveitar cada oportunidade sem pessimismo? Qual será a vantagem de viver uma vida dentro deste casulo que eu criei? Existe vantagem?”

Ao encerrar os questionamentos, respirou fundo disposta a seguir a mudança que se iniciara. Com os olhos semi-abertos, tentava observar o sol que penetrava em seu casulo e, com firmeza, disse para si:

“De lagarta, me transformo em borboleta. Brincando de Deus, moldo meu futuro e me permito ser leve.”

E assim foi.