sábado, 23 de junho de 2012

tragos

trago
o cansaço
rotina
e mesmice

trago
o vinho caro
cheiros
e tolices

trago
o trago
falta do riso
e vertigem

e eu
que não fumo
trago um cigarro
imaginário:
dos dedos das mãos
ao centro da boca

sábado, 16 de junho de 2012

o vento, o tempo e suas semelhanças

ficou clara a explosão
que por tempos foi omitida

o desejo emanado
a vontade saciada
o encantamento recíproco

(excessos)

foi longa a duração
foi grande o medo

metamorfosearam-se: erros

a saudade não existente
é reflexo do esquecimento benéfico;
foi a porta pra novas chegadas e para a saída

a explosão, há tempos, teve seu fim
foi-se o desejo
a vontade
o encantamento

(não há restos)

até as cinzas foram levadas pelo vento

terça-feira, 12 de junho de 2012

a má memória... amar memórias.

o intocável eterniza,
morre,
alterna nas camadas sustentadas pela emoção.

a memória melindra,
é alimento anímico,
perde-se nas entrelinhas da razão.

assim sendo
vivo como um caderno intacto
a espera de novos registros,
raras pontualidades,
perdas de compromissos,
esquecimentos e poemas.
não fala
não ouve
não vê nada além de um fragmento de papel.
não se expressa
não sente
disfarça-se da cabeça aos pés.
talvez seja uma armadura que o resguarda
dos mais variados julgamentos
protege-se de mim
de você
e desse nosso involuntário hábito de reprimir,
de não querer falar
não querer ouvir
não querer ver nada além de nós mesmos. 

domingo, 10 de junho de 2012


o perigo dos extremos
fica claro nas palavras, 
nas escolhas falhas
impossibilitadas de flexão. 


o perigo dos extremos 
dá-se pela ausência de luz 
ou por sua presença pura;
pela falta prática de alternância
ou por sua ruptura.


a beleza do equilíbrio 
muitas vezes se faz oculta
pela privação de percepção
ou pela simples vontade de ser sempre
ausência ou presença,
estas que nunca cedem à união.

Da pequena e seus 12 anos.

A primavera ressurge trazendo consigo a notória e curta ação do tempo. Pensamentos viajados fixam-se em minha mente por alguns instantes. Cada defeito com um longo histórico tentativas falhas de conserto, cada qualidade que se oculta diante de tamanha impulsividade, as tentativas de aproximação… a diferença se faz clara. Analisando-a pelas beiradas deste relacionamento, surgem as dúvidas e desconfianças alheias criadas por um parentesco recheado de divergências que serão quitadas com o tempo. O amor, por vezes, se faz oculto pelos olhos maternos e até mesmo pelos teus. O cuidado outrora plantado é mal interpretado, a ideológica necessidade de mudança torna-se invisível diante de uma autoridade mal imposta. Uma irmandade, que mesmo antes de existir já se enquadra em padrões pré-estabelecidos, é vítima de agravantes naturais. Ainda assim, encarrego o tempo e os ventos que delicadamente sopram de enviarem o recado mais sincero: amo-te desde sempre.

sendo poesia inversa

o que fazer quando nos vemos
envolvidos na tragédia que é
limitarmos uma vida
em linhas tortas
e palavras mal escolhidas?

Descasulando

Carolina era uma menina para poucos. Seu olhar arrogante transmitia seus pensamentos e o fato de, por escolha, viver solitária tornava complicado seu relacionamento com algumas pessoas.

Vivendo à seu modo, não podia ser considerada infeliz. Carol somente era diferente. Seu olfato aguçado fazia com que guardasse pessoas queridas nos mais diversos aromas, sua boca era capaz de dizer verdades que eram captadas pelos ouvidos alheios com doçura, suas delicadas mãos davam conta de apalpar tudo o que de alguma forma lhe chamava atenção e seu olhar arrogante - como outrora já dito - tornava-se sensível diante de tudo o que por ele era reparado, características essas que a transformaram num ser extremamente detalhista. Analisava de tudo: desde a folha que, sem uma ordem suprema, se joga ao chão até a criança que, voluntariamente, atira-se à calçada a ponto de que sua vontade seja atendida. Tais observações geravam imensos pensamentos, hipóteses e aprendizados os quais faziam-se úteis em seu dia-a-dia.

Certa manhã, Carolina ainda dormia profundamente. Mal se deu conta do barulho que as cortinas que batiam em sua janela semi-aberta produziam, muito menos da claridade que, sem pedir licença, adentrava em seu quarto. Somente ao ouvir o intenso som do despertador que situava-se ao lado de sua cama, lentamente abriu os olhos. Tentou lembrar-se do que sonhou esta noite: sem sucesso. Ainda sonolenta, hesitou quanto a levantar. Minutos depois de permanecer acordada em sua cama, pôs-se de pé. Como de costume, iria até o banheiro, escovaria os dentes, dirigiria-se à cozinha, tomaria o café fortemente preparado por sua matriarca e retornaria, passando o resto do dia trancafiada em seu quarto vestida com seu surrado pijama, talvez lendo, talvez escrevendo, talvez vendo algum filme ou simplesmente vendo o dia passar, cronometrando seus segundos, minutos e horas. Essa era a rotineira e agitada vida de Carol. Pois não foi assim. Resolveu, repentinamente, mudar seus hábitos matinais, ao menos por aquele dia. Mal sabia ela que uma simples modificação seria capaz de alterar todo o contexto do ciclo que sua vida se tornara.

Carolina pôs-se de pé. Pela primeira vez naquele verão, sentiu o vento bater tão fortemente em seu rosto, este que entrava pela janela deixada aberta na noite anterior por descuido. Carol deixou-se conduzir pelo vento, dirigindo-se até a janela. Isso não era comum. A moça não era de respirar outro ambiente. Não observava a vida que fluía e acontecia do lado de fora de seu quarto; tal coisa não lhe interessava nem atraía: estava apta a ser só em seu mundinho feito por quatro paredes e alguns livros. Algo estava ali fora buscando sua atenção e ela já havia captado o que era. Foi então que debruçou-se sobre sua janela e ficou paralisada para não assustar aquele ser que por alguns minutos prendeu sua atenção. Era uma borboleta. Carolina iniciou mais um momento de observação involuntária.

“Borboletas são admiráveis” - pensou -. Ali permaneceu analisando a leveza com que se locomovia, a calma com que rodopiava enquanto dançava com o vento sem se preocupar com sua enorme fragilidade, a precisão com que desviava das enormes construções e o caminho percorrido até se transformar neste ser belo e encantador que fez seus olhos brilharem por alguns instantes. Outrora lagarta, hoje borboleta… “E amanhã?” - pensou novamente -. Aquele podia ser seu último momento de vida. Intensamente vivido e magnífico. Até que a borboleta se despediu, sendo levada pelo mesmo vento que a levou até Carolina. Aquela criatura inseriu a moça em um mundo que acontece sem que ela perceba. Então Carol pôs-se a pensar em voz alta: “Serei eu lagarta esperando a mutação?”. Captou a mensagem que lhe enviaram aquela manhã e tentava tirar o proveito máximo dela: “Por que não ser leve como uma borboleta? Por que não aproveitar cada oportunidade sem pessimismo? Qual será a vantagem de viver uma vida dentro deste casulo que eu criei? Existe vantagem?”

Ao encerrar os questionamentos, respirou fundo disposta a seguir a mudança que se iniciara. Com os olhos semi-abertos, tentava observar o sol que penetrava em seu casulo e, com firmeza, disse para si:

“De lagarta, me transformo em borboleta. Brincando de Deus, moldo meu futuro e me permito ser leve.”

E assim foi.