domingo, 10 de junho de 2012

Descasulando

Carolina era uma menina para poucos. Seu olhar arrogante transmitia seus pensamentos e o fato de, por escolha, viver solitária tornava complicado seu relacionamento com algumas pessoas.

Vivendo à seu modo, não podia ser considerada infeliz. Carol somente era diferente. Seu olfato aguçado fazia com que guardasse pessoas queridas nos mais diversos aromas, sua boca era capaz de dizer verdades que eram captadas pelos ouvidos alheios com doçura, suas delicadas mãos davam conta de apalpar tudo o que de alguma forma lhe chamava atenção e seu olhar arrogante - como outrora já dito - tornava-se sensível diante de tudo o que por ele era reparado, características essas que a transformaram num ser extremamente detalhista. Analisava de tudo: desde a folha que, sem uma ordem suprema, se joga ao chão até a criança que, voluntariamente, atira-se à calçada a ponto de que sua vontade seja atendida. Tais observações geravam imensos pensamentos, hipóteses e aprendizados os quais faziam-se úteis em seu dia-a-dia.

Certa manhã, Carolina ainda dormia profundamente. Mal se deu conta do barulho que as cortinas que batiam em sua janela semi-aberta produziam, muito menos da claridade que, sem pedir licença, adentrava em seu quarto. Somente ao ouvir o intenso som do despertador que situava-se ao lado de sua cama, lentamente abriu os olhos. Tentou lembrar-se do que sonhou esta noite: sem sucesso. Ainda sonolenta, hesitou quanto a levantar. Minutos depois de permanecer acordada em sua cama, pôs-se de pé. Como de costume, iria até o banheiro, escovaria os dentes, dirigiria-se à cozinha, tomaria o café fortemente preparado por sua matriarca e retornaria, passando o resto do dia trancafiada em seu quarto vestida com seu surrado pijama, talvez lendo, talvez escrevendo, talvez vendo algum filme ou simplesmente vendo o dia passar, cronometrando seus segundos, minutos e horas. Essa era a rotineira e agitada vida de Carol. Pois não foi assim. Resolveu, repentinamente, mudar seus hábitos matinais, ao menos por aquele dia. Mal sabia ela que uma simples modificação seria capaz de alterar todo o contexto do ciclo que sua vida se tornara.

Carolina pôs-se de pé. Pela primeira vez naquele verão, sentiu o vento bater tão fortemente em seu rosto, este que entrava pela janela deixada aberta na noite anterior por descuido. Carol deixou-se conduzir pelo vento, dirigindo-se até a janela. Isso não era comum. A moça não era de respirar outro ambiente. Não observava a vida que fluía e acontecia do lado de fora de seu quarto; tal coisa não lhe interessava nem atraía: estava apta a ser só em seu mundinho feito por quatro paredes e alguns livros. Algo estava ali fora buscando sua atenção e ela já havia captado o que era. Foi então que debruçou-se sobre sua janela e ficou paralisada para não assustar aquele ser que por alguns minutos prendeu sua atenção. Era uma borboleta. Carolina iniciou mais um momento de observação involuntária.

“Borboletas são admiráveis” - pensou -. Ali permaneceu analisando a leveza com que se locomovia, a calma com que rodopiava enquanto dançava com o vento sem se preocupar com sua enorme fragilidade, a precisão com que desviava das enormes construções e o caminho percorrido até se transformar neste ser belo e encantador que fez seus olhos brilharem por alguns instantes. Outrora lagarta, hoje borboleta… “E amanhã?” - pensou novamente -. Aquele podia ser seu último momento de vida. Intensamente vivido e magnífico. Até que a borboleta se despediu, sendo levada pelo mesmo vento que a levou até Carolina. Aquela criatura inseriu a moça em um mundo que acontece sem que ela perceba. Então Carol pôs-se a pensar em voz alta: “Serei eu lagarta esperando a mutação?”. Captou a mensagem que lhe enviaram aquela manhã e tentava tirar o proveito máximo dela: “Por que não ser leve como uma borboleta? Por que não aproveitar cada oportunidade sem pessimismo? Qual será a vantagem de viver uma vida dentro deste casulo que eu criei? Existe vantagem?”

Ao encerrar os questionamentos, respirou fundo disposta a seguir a mudança que se iniciara. Com os olhos semi-abertos, tentava observar o sol que penetrava em seu casulo e, com firmeza, disse para si:

“De lagarta, me transformo em borboleta. Brincando de Deus, moldo meu futuro e me permito ser leve.”

E assim foi.